O melhor da rua era a democracia. Sempre aparecia alguém da rua vizinha, ou primo, conhecido de outro alguém. Logo, rostos novos não faltavam.
Talvez a mais marcante e memorável delas apareceu cedinho num dia quente pra cacete. Quando eu desci para encontrar os outros ele já estava lá. Perguntei para o pessoal quem era e “Jorge” foi a resposta. Tentei saber de onde, mas ninguém sabia bem. “Pergunta pra fulano, que ele sabe”, completavam. Qual seria a origem daquele ser magro, esculhambado e sagaz?
Em menos de meia hora Jorge sabia o nome de todo mundo. Não abria muito a boca e ria de tudo, no melhor estilo hiena de ser. Naquele dia brincamos de tudo, e em tudo ele era o melhor, o mais rápido, o mais entendido. Eu nunca fui nenhum atleta, mas meu físico esguio, bonito e modesto me fazia correr bem e estar entre os melhores da galera. Mas numa disputa com Jorge, o estranho, fiquei anos-luz para trás – o que me deixou deveras intrigado. Até pensei que ele poderia ser bem mais velho, mas condicionar uma cara de garoto.
Todas as minha questões acerca daquela criatura vinda do mundo de Tolkien estavam me incomodando, e eu resolvi achar que tratava-se de uma neurose infanto-juvenil, deixando os grilos de lado.
Já tinha passado das 6 da tarde e boatos sobre os pivetes gigantescos fizeram meu pai me mandar ir embora do fascinante universo do meio-fio. Me despedi de todos e parti. Jorge, o escuso, me perguntou para onde eu iria. Apontei, então, para o final do quarteirão. “Vô pá Cruzada”, disse ele. Era tudo que eu não precisava ouvir, uma vez que metade dos pivetes da época era oriunda da Cruzada.
[continua amanhã]